Foi aos protestos do dia 15 de março defender
a renúncia de Dilma Rousseff (PT), mas é contra o impeachment, que, de acordo
com ele, não possui bases jurídicas. Abaixo, o advogado fala sobre fatos
marcantes da história do País nos quais esteve presente, o atual momento do
Brasil e o que pode acontecer a partir dessa ebulição das ruas.
ISTOÉ
- O sr. é a favor do impeachment?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
O impeachment não é juridicamente viável porque os atos que
poderiam justificá-lo ocorreram no mandato anterior. A pena do impeachment é a
perda do cargo. Mas acabou o mandato e Dilma foi reeleita para outro. Não
existe vaso comunicante. Para se pedir o impeachment, a presidente precisaria
ser suspeita de algum malfeito de janeiro até agora. Eu fiz a petição de
impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor. Ali havia fatos praticados
por ele, o recebimento de vantagens ilícitas claras. Impeachment não é golpe,
porém precisa estar
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REALE EM SUA BIBLIOTECA
"Se estivéssemos no parlamentarismo, o governo teria sido destituído" |
enquadrado tecnicamente. Eu tenho uma responsabilidade de
consciência jurídica, não posso forçar a mão.
ISTOÉ - O impeachment é também um processo político. É possível que o
Congresso atropele os argumentos jurídicos para validá-lo?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
Aí a Dilma entra com um mandado de segurança no Supremo
Tribunal Federal e anula tudo. O Collor entrou com um mandado de segurança no
Supremo Tribunal Federal para conseguir alguns direitos de defesa que não
estavam sendo considerados no processo. E não é só a atual configuração do
Supremo que invalidaria, não. Qualquer STF consideraria ilegal. O Supremo da
época do Collor também concedeu mandado de segurança para alguns pontos que ele
solicitou. Se existe uma violação da lei ou da Constituição, o sujeito vai ao
STF e ganha.
ISTOÉ - Isso quer dizer que a presidente não poderá ser
responsabilizada caso seja ligada às denúncias do Petrolão?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
O que pode haver, eventualmente, é a apuração de crime comum.
O procurador-geral da República disse que não há elementos, mas Dilma
prevaricou se sabia do esquema quando era presidente do Conselho de
Administração da Petrobras e manteve a diretoria após assumir a presidência da
República. Caso seja enquadrada num crime comum, ela será processada perante o
Supremo com autorização da Câmara dos Deputados. Se condenada, perderia o
mandato como qualquer outro político. Resta examinar se existem elementos
mostrando que ela foi omissa ou conivente ao manter a diretoria. A Constituição
diz que o presidente não pode ser responsabilizado por atos estranhos às suas
funções, porém atos de prevaricação – como o que ocorreu na Petrobras – não
seriam estranhos à função.
ISTOÉ - Caso Dilma fosse afastada, a situação melhoraria com o vice
Michel Temer?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
O Michel tem habilidade e experiência como presidente da
Câmara dos Deputados. Está à frente de um partido forte e conta com capacidade
de trânsito na oposição. Seria o caso, para que houvesse um grande pacto
nacional como ocorreu com o Itamar Franco (vice de Collor). Naquela época, eu
fui procurado por um brigadeiro que comandava a zona aérea de São Paulo e
manifestou a preocupação das Forças Armadas quanto à governabilidade. Eles não
estavam preocupados com o impeachment do Collor, mas com o futuro. O brigadeiro
queria saber se havia a possibilidade de o PSDB apoiar o Itamar. Ele me
procurou porque eu estava à frente do impeachment e porque eu era próximo dos
então senadores Fernando Henrique e Mário Covas. Ambos me garantiram que dariam
apoio ao Itamar e eu transmiti isso ao militar. A mesma preocupação que as
Forças Armadas tiveram naquele momento é a preocupação que todos nós deveríamos
ter agora.
ISTOÉ - Hoje o PSDB daria apoio ao Temer?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
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"O PSDB deve considerar a possibilidade de apoiar o Michel Temer.Ele está à frente de um partido forte e tem trânsito na oposição" |
O PSDB deve considerar a possibilidade de apoiá-lo. É um
caminho que pode não interessar à oposição que queira assumir livremente o
poder daqui a quatro anos. Independentemente disso, nós temos que pensar como
chegaremos lá se não houver um pacto, pois já estamos em frangalhos. Também tem
outro problema extremamente grave. Apesar de as passeatas do dia 15 de março
terem sido tranquilas, os ânimos estão acirrados. Amigos se separam por conta
de divergências políticas, familiares viram a cara uns para os outros. Esse
pacto também vai por um pouco de tranquilidade na sociedade.
ISTOÉ - O sr. foi aos protestos do dia 15 de março?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
Fui, sim. Estava em Canela, no interior do Rio Grande do Sul,
e participei do ato na cidade. Havia mais de duas mil pessoas. Eu sou favorável
à renúncia de Dilma Rousseff pela dificuldade que ela tem de governar. A
governabilidade será difícil porque no momento em que ela fala tem panelaço,
quando seus ministros falam há panelaço. Por causa disso, a presidente já tem
pouco espaço para manobra – e a operação Lava Jato vai trazer mais fatos, ainda
vai se estender para outros setores da administração.
ISTOÉ - As manifestações juntaram pessoas favoráveis ao impeachment,
à intervenção militar e aqueles que apenas reclamavam da corrupção. Como unir
esses interesses?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
Os que defendem os quartéis são minoritários e foram
rechaçados nas ruas. É um grupo muito pequeno e inexpressivo. Já o impeachment
é um processo jurídico e técnico. Se não houver enquadramento, não tem
impeachment. Movimentações sem um norte se diluem. Por exemplo, nos protestos
da Praça Tahrir, no Egito, a população destronou o ex-ditador Hosni Mubarak,
mas não soube construir uma via. Primeiro, o fundamentalismo ganhou. Depois
vieram os militares. As redes sociais são capazes de arregimentar contra, mas a
rua não apresenta um denominador comum porque é composta de visões díspares.
Temos que criar um caminho. Entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa
devem sair dos seus nichos e participar porque esse processo representa muito
do que a sociedade deseja. E os cabeças dos movimentos das ruas têm que
trabalhar junto com lideranças políticas para formatar uma proposta.
ISTOÉ - É possível que políticos participem dos protestos? De
Paulinho da Força (SD-SP) a Jair Bolsonaro (PP-RJ), quando eles falaram nos
carros de som foram vaiados.
MIGUEL REALE JÚNIOR -
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José Eduardo Cardozo tem assumido muito mais um papel
de advogado do que de ministro da Justiça.
É o rei do lugar comum
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Isso é perigoso porque significa uma descrença generalizada
da classe política. Alguém precisa exercer o poder, organizar esses anseios.
Não estou falando de uma pessoa, um salvador da pátria. Mas de um grupo
político que se una à sociedade para constituir a base de um pacto. Se isso não
ocorrer, gera-se um processo anárquico.
ISTOÉ - A forma de governo no Brasil afasta os políticos do povo?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
Se estivéssemos no parlamentarismo não haveria toda essa
comoção que estamos vendo porque o governo teria sido destituído. O
parlamentarismo impede que crises se avolumem e prejudiquem a vida do país. É
verdade que a população também não acredita no Congresso, mas ela precisa saber
que no regime parlamentarista a Câmara pode ser dissolvida.
ISTOÉ - E quanto à reforma política, o sistema eleitoral deve mudar?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
O sistema proporcional com lista aberta que temos hoje é
horroroso. Com ele vêm gastos de campanha elevadíssimos e ocultos. De qualquer
forma, o voto distrital é melhor. Eleição em dois turnos para deputados também
pode ser um caminho, melhora bastante. De qualquer modo, Constituinte exclusiva
para analisar o tema (como defendeu o governo após os protestos de junho de
2013) é loucura, seria um poder paralelo ao Congresso. Também não precisa fazer
plebiscito ou referendo. É pacto, o Congresso já tem poderes para realizar. No
entanto, o Tancredo Neves dizia que era mais fácil fazer um boi voar do que
conseguir consenso em relação ao sistema eleitoral. É muito difícil.
ISTOÉ - A principal reclamação das ruas está relacionada à corrupção.
O pacote de Dilma vai resolver o problema?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
A medida repete propostas antigas. E eles se esquecem que o
crime de caixa dois já existe, artigo 350 do Código Eleitoral, com pena mínima
de dois anos. Há diversos projetos tramitando na Câmara sobre enriquecimento
ilícito. Eles não avançaram porque não foram votados pela própria base parlamentar.
Vamos deixar de enganar a população brasileira.
ISTOÉ - O sr. foi ministro da Justiça no mandato FHC. Como avalia o
desempenho de José Eduardo Cardozo no cargo?
MIGUEL REALE JÚNIOR -
José Eduardo Cardozo tem assumido muito mais um papel de advogado
do que de ministro da Justiça, com a distância que deve ter um ministro da
Justiça de fatos que estão sendo manifestados. Ele sai em defesa do seu
partido, em defesa da presidente. O discurso dele é um discurso repetitivo,
cheio de chavões. É o rei do lugar comum.