A dívida do setor público consolidado — que inclui União, Estados, Distrito Federal e Municípios — aumentou um ponto percentual em setembro e alcançou 78,1% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 9,75 trilhões, segundo dados divulgados pelo Banco Central.
O cálculo do BC, no entanto, não segue as normas internacionais. A instituição informou que utiliza, desde 2008, uma metodologia própria que “reflete as características institucionais brasileiras”.
Pelos parâmetros do Fundo Monetário Internacional (FMI) — que incluem os títulos públicos detidos pelo Banco Central —, o endividamento brasileiro é bem maior: 90,5% do PIB em setembro.
DÍVIDA CRESCE COM DÉFICITS SUCESSIVOS
A trajetória de alta da dívida acompanha a sequência de déficits nas contas públicas durante o atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em 2023, o rombo fiscal foi de R$ 230 bilhões, recuando para R$ 43 bilhões em 2024. Para 2025, o governo prevê déficit de R$ 75 bilhões, e de R$ 23,3 bilhões em 2026 — valores que incluem despesas com precatórios fora das metas fiscais.
Entre o início de 2023 e setembro de 2025, a dívida brasileira subiu 6,5 pontos percentuais. LEIA MAIS
O Tesouro Nacional admite que o indicador deve continuar crescendo até o fim do atual mandato, chegando a 82,5% do PIB, e pode subir ainda mais nos próximos anos, o que acende o alerta entre analistas.
A dívida pública consolidada representa o total das obrigações financeiras do setor público, sem duplicidades. É considerada um termômetro da solvência nacional, isto é, da capacidade de o país honrar seus compromissos futuros.
Quanto maior o percentual da dívida em relação ao PIB, maior o risco de calote em períodos de crise e maior a pressão sobre os juros, o que encarece o crédito e limita o crescimento econômico.
BRASIL SE APROXIMA DE PADRÃO EUROPEU
Segundo o FMI, o endividamento do Brasil já está próximo ao de países da Zona do Euro e bem acima da média da América Latina e de outras nações emergentes, embora ainda abaixo dos níveis de países desenvolvidos.
Um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de 2023, recomendou que os países latino-americanos e caribenhos reduzam sua dívida para entre 46% e 55% do PIB a fim de restaurar a confiança dos investidores e permitir juros menores, estimulando o emprego e o crescimento.
Dados históricos do Banco Central mostram que a dívida se manteve controlada até 2015, início do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Veja a variação por mandato (conceito do FMI):
- Lula (2003–2006): queda de 11,5 pontos do PIB
- Lula (2007–2010): queda de 2,2 pontos
- Dilma (2011–2014): queda de 0,8 ponto
- Dilma (2015–2016): alta de 10,7 pontos
- Temer (2016–2018): alta de 12,5 pontos
- Bolsonaro (2019–2022): recuo de 0,8 ponto
- Lula (2023–2026, projeção): alta de 10,8 pontos percentuais
A redução observada durante o governo Bolsonaro, mesmo em meio à pandemia, foi impulsionada por medidas extraordinárias, como a limitação no pagamento de precatórios após a aprovação de uma PEC.
ALTA NO 3º MANDATO DE LULA
Nos dois primeiros anos e meio do atual governo, o endividamento cresceu 6,6 pontos percentuais. Especialistas apontam como causas principais:
- PEC da Transição: ampliou o teto de gastos em cerca de R$ 170 bilhões por ano;
- Reajuste real do salário mínimo, que eleva os gastos previdenciários;
- Pisos constitucionais de saúde e educação, novamente vinculados à receita;
- Pagamento de precatórios atrasados herdados do governo anterior (R$ 92,3 bilhões);
- Reajustes de servidores públicos, que haviam sido congelados;
- Despesas com juros da dívida pública, que somaram R$ 985 bilhões nos últimos 12 meses.
Segundo o ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto, o aumento de gastos sem contrapartida fiscal pressiona os juros, já que investidores exigem retornos maiores para financiar o governo.
Para tentar conter o avanço da dívida, o governo aprovou em 2023 o arcabouço fiscal, que substituiu o antigo teto de gastos. Pelas novas regras:
A despesa só pode crescer até 70% do aumento da arrecadação;
O aumento real dos gastos não pode ultrapassar 2,5% ao ano.
O objetivo é estabilizar a dívida pública. No entanto, especialistas alertam que, sem cortes de despesas, o modelo se tornará insustentável.
Projeções de mercado indicam que, sem uma “âncora fiscal crível”, o Brasil poderá ultrapassar 100% do PIB em dívida pública até 2028 ou 2029, cenário comparável ao de economias desenvolvidas.
HADDAD REBATE CRÍTICAS
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), rejeita as críticas de que o país vive uma crise fiscal. Em evento da Bloomberg, em São Paulo, afirmou que o Brasil está em melhor situação que “qualquer país da América do Sul”.
“Vamos entregar o melhor resultado fiscal em quatro anos, mesmo pagando o calote deixado pelo governo anterior. Falam em crise, mas é um delírio psicológico. Economicamente, não há fundamento para isso”, disse o ministro.
Em 2024, o governo reduziu as metas de superávit primário para os anos seguintes, abrindo espaço para novos gastos de cerca de R$ 160 bilhões entre 2025 e 2026, o que deve aumentar o endividamento.
RISCO DE ESGOTAMENTO FISCAL
O Tesouro Nacional reconhece que a queda da dívida depende de reformas estruturais que elevem o crescimento e a arrecadação, além de uma política de contenção de despesas permanentes.
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou que o sistema previdenciário é um dos principais pontos de pressão e que precisará ser revisto nos próximos dez anos, devido ao impacto do reajuste real do salário mínimo.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, estima que seria necessário um superávit primário de 2,1% do PIB — cerca de R$ 265 bilhões em 2025 — para estabilizar a dívida.
DILEMA ENTRE DESIGUALDADE E CRESCIMENTO
Um levantamento do Centro de Liderança Pública (CLP), assinado pelo economista Daniel Duque, apontou que a queda da pobreza nas últimas décadas foi impulsionada pelo controle da inflação, programas de transferência de renda e valorização do salário mínimo.
Mas, segundo o estudo, esse avanço custou caro ao equilíbrio fiscal. A carga tributária atingiu 34% do PIB em 2024, nível comparável ao de países ricos, sem que o Brasil tenha alcançado o mesmo nível de produtividade e crescimento.
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